O amor como caminho espiritual
- Bruna Guerra
- 1 de set.
- 6 min de leitura
Era o fim de janeiro de 2021. Eu estava de férias em pleno verão, me recuperando de mais um ciclo de vida-morte-vida. O mundo estava naquele período pós-pandemia, e eu estava indo sozinha para uma ecovila holística isolada. O lugar era (e ainda é) conhecido por sua forte força espiritual, e eu fui em busca de viver uma imersão de autoconhecimento e tranquilidade. Não pensei muito, só fui.

Saí do aeroporto e entrei no carro de um motorista indicado pela ecovila. Foram horas de asfalto, depois mais um bocado largo em uma estrada de barro esburacada. Adentramos o terreno com muita vegetação nativa e, depois de mais um pouco, cheguei no paraíso.
O lugar era lindíssimo. Praia e rio se encontrando, pé na areia, integração com animais, alimentação equilibrada e vegana, água puríssima diretamente da torneira. Só entravam produtos biodegradáveis e naturais, justamente para preservar a qualidade daquela
água sagrada.

Fui bem recebida por um anfitrião que me explicou os conformes, já que ainda existiam cuidados de isolamento para os que chegavam (eu usava uma pulseira de identificação e só podia me agrupar com o restante das pessoas que moravam ou que já estavam lá
há algum tempo depois de 7 dias).
Não havia eletricidade, a energia vinha do sol. Também não tinham ventiladores e ar condicionado, mas eu estava ciente desde sempre. Tudo me foi claramente comunicado antes.
Ao meu redor, só via sorrisos. Gente bacana, bonita, bronzeada. Ouvi um boato (que depois descobri ser fake) de que a música Vilarejo, de Marisa Monte, foi escrita em homenagem àquele lugar. Era realmente um lugar mágico, de pessoas com um propósito em comum: a comunhão com a natureza e a espiritualidade. A impressão que dava era que era impossível não ser feliz por lá.

Só que pra mim, o processo foi diferente...
Escolhi um quarto individual próximo ao mangue e, ao anoitecer, diversos tipos de animais e insetos entravam no quarto. Caranguejos (ok, vai?), aranhas (inclusive peçonhentas), baratas. Apesar de respeitar e honrar muito, tenho medo de aranhas, e fiquei receosa delas subirem na cama. Não era uma aranha ou outra... Eram algumas! Mas, na minha cabeça, o medo não combinava com aquele lugar. Não era para eu estar me sentindo daquele jeito.
Fui ao refeitório para jantar e logo voltei para o quarto. Estava sem muita bateria no celular, pois à noite não era possível carregar o telefone por causa da energia, e me vi sozinha com meu medo.
Eu via as baratas entrando pela fresta da janela e escutava o silêncio ensurdecedor da
natureza à noite. Senti calor (pleno verão), mas isso foi o que menos me incomodou naquele momento. Demorei, mas peguei no sono. Apesar disso, a primeira noite foi a mais tranquila.

No segundo dia, quando acordei, tinha uma aranha em cima do vaso sanitário. Chamei uma anfitriã para tirar, e me disse quando chegou e viu a aranha: “Nossa, mas é desse tamaninho?” Engoli aquela, me sentindo muito inadequada, e fui viver o dia.
Eu conseguia aproveitar o dia, curtia a praia, a natureza escandalosa de bonita, mas quando a noite caía eu ficava muito tensa, pois sabia que teria que encarar a noite no quarto com as minhas amigas aranhas e os outros companheiros do mangue.
Comecei a ficar com medo de ir ao refeitório jantar e ter uma surpresa na cama ou nas roupas quando retornasse. Havia um grupo no WhatsApp para comunicação entre as pessoas, e diariamente tinham relatos de aranhas armadeiras dentro dos quartos.
A natureza ali era exuberante e selvagem. Juro por tudo que é mais sagrado, o rapaz que estava no quarto ao lado do meu relatou que acordou de madrugada com o barulho de uma aranha “lutando” com um caranguejo, e quando acordou pela manhã o caranguejo estava em sua cama. (Isso não é invenção! rsrs) Enquanto isso, todos os dias, percebia as pessoas ao meu redor plenas e em outro estado de espírito, exalando gratidão e “good vibes”. Aparentemente, só eu estava na peia.

E mais uma vez, me senti inadequada. Acreditava em tudo que era externo, mas não validava e muito menos acolhia o que eu estava sentindo. Apenas ficava matutando: “essas pessoas são mais espiritualizadas que eu. Elas não têm medo.”
Certa noite, no refeitório, tive uma crise de choro. Não aguentava mais represar as sensações de todo o processo que estava passando. Cheguei a sentar no chão na frente de todos — naquela altura eu já não estava nem aí — e ali liberei as lágrimas em enxurrada.
Rapidamente, um grupo veio em um gesto doce de gentileza me aplicar Reiki para que eu ficasse mais calma. Em seguida, uma determinada mulher me disse que as aranhas só vinham para o meu quarto por causa do meu medo, que eu as atraía.
Ok, podia até ser verdade — apesar delas estarem em quase todos os outros quartos também.
E como eu sentia culpa... Me sentia menos espiritualizada, menos iluminada, menos tudo. Só eu não estava nas nuvens como todos ao meu redor. Só eu estava vivendo aquele processo intenso de medo, enquanto todo mundo à minha volta estava vivendo the time of their lives. Eu estava no paraíso e estava sofrendo.
No fim, paguei por 15 dias e fiquei 7. Fui embora. Não quis reembolso, eu só queria sair.
As pessoas não acreditaram, me olhavam como se eu fosse uma esquisita que estava indo embora do Éden por livre e espontânea vontade. Fui me sentindo mal, uma fraude, me comparando a tudo e a todos. Que pessoa espiritualizada era eu, que não aguentei lidar com as aranhas, naquele lugar paradisíaco, místico e elevado?
E toda essa introdução leva ao tema do texto: O amor como o caminho espiritual. Mas o que é o amor? E o que é espiritual?
Por um tempo, achei que era necessário estar no alto do monte e abdicar da humanidade ou de qualquer traço umbralino (como falo em tom de brincadeira).
Mas hoje estou aprendendo, e sinto diferente. Percebo que o maior ato de amor que podemos dar ao mundo é ser quem somos. Nada contra o monte. Eu mesma preciso dele muitas vezes. Mas somos seres humanos plurais, diferentes, diversos e únicos. O caminho não é o mesmo para todo mundo, e nisso está a beleza.
Não acredito mais que exista um modo certo, específico e igual para todos viverem a
espiritualidade. Acredito que o caminho é o amor. E o amor é algo pessoal, intransferível e inato a todos nós. O amor vive dentro de nós. Brota do centro do nosso peito quando nos permitimos entrar em contato, silenciar e escutar.
Agora, penso que não é sempre necessário subir o monte, viajar por horas até um templo para estar em contato com ele.Temos a oportunidade de acessar este caminho espiritual todos os dias, a qualquer momento... Sei que parece utópico em meio à rotina corrida, tarefas, trabalho.
Não é nada fácil “equilibrar todos os pratinhos”, mas é muito importante lembrarmos que está ali, ao nosso alcance. Às vezes, no intervalo de uma respiração, ou numa dança de 5 minutos no meio da sala de casa que libera a tensão do dia.
Para mim, amor é encontrar um beija-flor no caminho e sentir o sorriso nascer no rosto em contemplação daquela raridade. É dançar, tomar uma taça de vinho junto aos meus, rir até chorar. Isso pra mim é amor... e por que não caminho espiritual?

Amor também é dizer não e dar espaço para o corpo dizer o que está sentindo.
Acho que é mais sobre o que somos, e menos sobre o que comemos, vestimos... Atravessa qualquer ideia de status.
O amor simplesmente é. Quando honramos a nossa verdade, brilhamos, e nos tornamos exatamente o que Deus, o universo, os anjos querem que nós sejamos: nós mesmos. Esse é o nosso grande trunfo, nosso grande potencial.
E sobre o medo... Ele faz parte da experiência humana. Negar sua existência faz com que ele irradie e pareça bem maior do que é. Só não podemos deixar que ele nos paralise.
Como diz uma querida amiga, somos seres espirituais vivendo uma experiência material. E essa experiência material é aqui na 3D, na terra, muitas vezes no caos. Meggan Watterson em sábias palavras citou:
“o corpo é a chance do espírito de estar aqui”.
Então que possamos honrar este corpo que sente medo, prazer, tristeza, alegria e outras muitas dores e delícias.
E quanto os templos, retiros, igrejas, terreiros, ecovilas espirituais... Que bom que existem. É maravilhoso poder ir, viver, experimentar, beber dessas fontes. Mas quando saímos porta afora, nada se perde... Na real, acho que tudo se amplia, e temos a chance de, na vida real, ser porta-voz do amor através da nossa verdade, pessoal e intransferível.
Toda a minha gratidão à experiência que vivi na Ecovila. A partir dali, tudo mudou. Olho para essa vivência com carinho e dou muita risada.

Neste exato momento escrevendo, me lembro das pombagiras, que descarregam a densidade gargalhando alto e jogando o corpo para trás em êxtase.
Amando a nós mesmos, sendo quem somos e honrando a nossa humanidade, estamos mais disponíveis e prontos para amar ao próximo.
Com carinho,
Bruna
Que delícia te ler, Bruna!
Realmente o melhor caminho do amor está nessa entrega única e interna!
Achei maravilhosa sua reflexão! E me diverti muito com a narrativa!!! <3
Uau! Que lindo! Amei 💖
Texto maravilhoso, cheio de paixão e verdade! ❤️