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Aprender a ser árvore

Aprender a ser árvore - foto 1/Carol Rosa

No último suspiro do inverno, na dança silenciosa do vento, a árvore ao lado do muro derrama todas as suas folhas no meu jardim.


No mês que vem fará 2 anos que saí de um apartamento e mudei para uma casa. Mal imaginava as dores e delícias que é ter um jardim para cuidar. Assim como tudo na vida, no trabalho, no cuidado com nosso corpo, com a educação dos filhos, cuidar é um ato de constante manutenção.


Por mais que a gente queira muitas vezes protelar, fingir que não tá vendo ou deixar para depois, a chance de virar um trabalho dobrado é enorme, não há muita rota de fuga.


Desde então, tenho tido o prazer de acompanhar o ciclo da natureza na prática. Cada mês traz uma folha de uma árvore diferente que cai, uma flor que nasce, frutas que convidam passarinhos e saguis para cá. Cada planta e cada ciclo tem a sua peculiaridade.


No outono, os plátanos que ficam na entrada dão um trabalho e tanto. Agora, próximo da primavera, é a vez dessa árvore que brinco que tem a “folha de renda”, tão delicada que só de encostar desmonta toda.


“Folha de renda” - foto 2/Carol Rosa

E bem nessa época, durante duas intermináveis semanas, o jardim fica um caos!


Sabe o que é uma árvore imensa perder todas as suas folhas para que as novas possam nascer? De uma hora para outra, cada ramo se desprende sem pedir licença. E na falta de uma, temos 3 árvores assim na rua, encostadas no nosso muro.


O gramado e a piscina se transformam num tapete de folhas de um jeito que não dá para ignorar. Rastelo e peneira em mãos, pés na grama… lá se vão 50 minutos ou mais para deixar tudo minimamente em ordem. Até que outro vento vem e sopra trazendo mais uma leva de folhas rodopiantes pelo ar.


Chega. Agora vai ficar para amanhã. E lá se acumulam novamente.


Pena que não tenho foto do dia mais caótico para mostrar para você entender o tamanho da bagunça - foto 3/Carol Rosa

Olha que nem sou de me estressar com isso. Não tenho mania de limpeza ou perfeccionismo, gosto do fato do jardim ser vivo, não perfeito e intocável. Vejo poesia nas folhas, no colorido diferente que trazem para o gramado.


Normalmente gosto de ficar esse tempo no jardim, de rastelar tudo sozinha uma vez por semana. Mas nessa época em que a demanda é intensa, limpar a piscina uma ou duas vezes por dia, ai ai ai….


Mas dá para brigar com a natureza?

Ah dá! rs

Eu bufo e reviro os olhos como minha filha de 12 anos.


Agora a pergunta certa: será que vale a pena?

Afinal, o jardim e a piscina não se limpam sozinhos. As folhas caem. Paciência.


Quanto mais reclamo dessa situação - momentânea, diga-se de passagem - mais percebo que a natureza quer me ensinar a ser árvore.


Talvez esses momentos de folhas ao vento, com o rastelo em uma mão e a peneira na outra, sirvam de lembrete (vamos combinar que nada discreto) de que a natureza respira uma sabedoria que mora nos detalhes. Basta abrir o coração para sentir com presença.


"As folhas caem. Paciência." - foto 4/Carol Rosa

Talvez seja um convite para eu olhar para as minhas próprias folhas e reelaborar as minhas histórias. Quais são as minhas folhas, as minhas narrativas, que minha alma já está cansada de contar? Que venho recontando e, pior, acreditando nelas?


Será que não é tempo de abandonar velhas crenças, velhos hábitos, velhas dores, as velhas folhas que um dia foram importantes, mas agora precisam dar espaço para novas florescerem?


O quanto da minha irritação aponta para alguma resistência interna, tentando impedir que as minhas folhas antigas caiam? E o quanto dessa frustração não revela meu desconforto com o caos que o desapego pode causar?


Novas histórias pedem uma novas posturas, escolhas e limites. Estou disposta a atravessar esse caos?


"Mas dá para brigar com a natureza?" - foto 5/Carol Rosa
"Mas dá para brigar com a natureza?" - foto 5/Carol Rosa

Enquanto rastelava, algumas coisas foram acontecendo. Me vi revirando dores que nem sabia que ainda havia em mim. Ouvi a voz da autocobrança injustificada. Vivi as camadas do luto de histórias não vividas, linhas temporais desbotadas que poderiam ter levado a outro rumo.


Mas e se…?


E se, ao invés de eu me apegar em uma ilusão que não cabe na minha vida de agora, eu aprender a ser árvore e soltar ao vento aquilo que já não me cabe mais?


Então me vi precisando do silêncio. Ouvir o som do vento ao invés de encher meus ouvidos com mais uma aula, mais um podcast, mais uma informação, mais um barulho, mais uma distração. Ouvi os passarinhos, o vento, os carros passando, o rastelo na grama, a peneira na água. Ouvi a minha respiração.


Um dos hábitos que definitivamente preciso soltar é a falsa necessidade de me preencher com externo. Sinto o chamado de aprender a confiar que as novas folhas nascerão no interno, no movimento de dentro para fora. A primavera já está aí, batendo à porta!


Engraçado como as coisas são, quanto mais esse jardim demanda de mim, e menos quero "perder tempo", mais percebo que preciso estar nele.

Sem pressa.


Sem fone de ouvido.


Somente eu, o jardim, o vento. E o silêncio que floresce dentro de mim.


"E se, ao invés de eu me apegar em uma ilusão que não cabe na minha vida de agora, eu aprender a ser árvore e soltar ao vento aquilo que já não me cabe mais?" - foto 6/Carol Rosa




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